Humano, demasiado humano

“Humano, demasiado humano” foi a primeira obra de Friedrich Nietzsche, publicada em 1878.
Texto – Humano demasiado humano – Psicanálise e cultura.

Os 4 impossíveis

Em O Mal-estar na Cultura, Freud percebe como causa maior de sofrimento o relacionamento do sujeito com os outros. O mal-estar do qual Freud se refere persiste, pois é inerente ao trabalho da cultura, solicitado em consequência do inacabamento inaugural do bebê humano desamparado. Isso significa que o desamparo é, por estrutura, marcado pela alteridade, atravessado pela linguagem que o constitui. O discurso como laço social é um modo de aparelhar o gozo com a linguagem, enlaçando a história individual com a história comum, produzindo o campo da realidade psíquica. Entretanto, essa relação não se faz sem um resto pulsional que insiste e resulta em uma perda real de gozo. A despeito das tentativas, através do laço social, de enquadrar a pulsão, o gozo enquanto tal não se deixa apreender totalmente, ele está sempre transbordando: não há limite para o gozo; ele não se deixa reduzir ao sexo, pois não se deixa aprisionar pelo significante fálico.

Freud designou como impossível os atos de governar, educar, psicanalisar e fazer desejar. Dessa forma, os laços sociais são estruturados a partir do impossível – um dos nomes do real em Lacan. No entanto, a impossibilidade não é total, ao passo que são constituídas como possibilidades diante da impossível relação sexual.

O problema da satisfação

Considerando que o ser falante não é um animal instintual, a experiência de satisfação é acompanhada por uma mediação da linguagem, que vem através do outro humano de quem a criança depende, constituindo um aparelho psíquico em torno do “problema da satisfação”: a 1ª experiência de satisfação gera um vão e, pela repetição, a necessidade do bebê é rasgada pela demanda, inscrevendo assim o desejo enquanto significante. Para reconhecer uma experiência de satisfação é preciso de um registro que imprime mediação no qual a criança o faz orientada pelo princípio de prazer e, ao se dirigir aos objetos, busca reencontrar um objeto supostamente perdido, mas que na verdade não foi encontrado e perdido, pois falta estruturalmente: “a função do princípio do prazer é criar um engodo que torne a ação possível, ao fazer com que o sujeito busque aquilo que deve reencontrar, mas que não poderá atingir” (LACAN, 1959/60). 

A felicidade, tão valorizada pelo sujeito humano, parece ser buscada através de uma negativa em evitar o desprazer. O princípio de realidade modera a satisfação e a insatisfação, buscando chegar a uma ação possível que nunca é completamente satisfatória, o que não é o mesmo que permitir ou proibir, pois estas seriam tentativas da cultura de dar um contorno ao mal-estar estrutural que a caracteriza e não acarretaria o fim do sofrimento psíquico que está na ordem “de algo da natureza da própria função que nos nega satisfação completa e nos incita a outros caminhos” (FREUD, 1930).

Referências bibliográficas:

FREUD, Sigmund (1930). O mal-estar na civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
LACAN, Jacques (1959/60). O seminário, livro 7: a ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

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