Compete à psicanálise transgredir o campo da normatização e reformular os discursos, pois o inconsciente engloba o social, o fora-do-discurso e as práticas de poder. O sujeito contemporâneo pensa a cura do sofrimento psíquico na tentativa de eliminação completa do mal-estar, de todos esses incômodos efeitos do inconsciente, anseia por libertar-se da responsabilidade de se haver com a angústia de viver. Esses fatos são confirmados nas tentativas desenfreadas e a qualquer preço de gozo, pelas terapias exclusivamente medicamentosas, pelos livros e eventos de autoajuda, pelas terapias alternativas, dentre outros caminhos capitalistas que excluem completamente o sujeito desejante.
Fundado na dualidade saúde x transtorno, os manuais de diagnóstico estão tomados pela preocupação de se constituir uma língua comum entre profissionais da saúde mental de todo o mundo, talvez em esperança de romper com os equívocos e mal-entendidos próprios à comunicação. Em uma sociedade obcecada pela padronização de comportamentos e crenças voltadas para a normatização, fundada em práticas de diagnóstico estatístico em que “transtornos” devem ser eliminados com medicamentos, a lógica é abandonar a clínica feita propriamente de sinais e sintomas que remetem a uma estrutura clínica, que é a estrutura do próprio sujeito.
Freud mostrou que as leis do inconsciente estão presentes em todos os sujeitos, sejam eles neuróticos, perversos ou psicóticos. A estrutura de linguagem do inconsciente é o que faz a psicanálise operar por meio da fala. Eis a ética correlata ao sujeito: ela não dita condutas ou modos de agir; trata-se de uma ética de implicação do sujeito, pelo dizer, no gozo que seu sintoma denuncia.
Onde há sintoma, há sujeito. O analista não ataca o sintoma, mas acolhe para desdobrar, “fazendo aí emergir um sujeito — seja no ataque histérico, na depressão melancólica, no delírio paranóico ou no despedaçamento do esquizofrênico” (QUINET, 2009).
Referência bibliográfica:
QUINET, Antonio. Psicose e laço social: esquizofrenia, paranoia e melancolia. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.