Todas as lições de seu seminário desembocavam numa conclusão impactante que reciclava o enigma, anunciando para a lição seguinte sua resolução, sempre adiada. (…) Vislumbrava-se a cada vez algo novo, como num relâmpago que reverberasse uma verdade inédita, embora semidita. Isso conferia a seu ensino o aspecto de uma espiral. Íamos lá semana após semana na expectativa de uma revelação, que sem dúvida assumia para cada um o rosto de seu desejo. Expectativa ao mesmo tempo sempre frustrada e compensada pelo inesperado do que ele trazia. ‘Mais, ainda’ era o nome do desejo que ele não cessava de suscitar pelo entusiasmo que cada um de seus achados despertava. “
REFERÊNCIAS:
MILLOT, Catherine. A vida com Lacan. Zahar; 1ª edição, 2017
NOTAS DA EDITORA:
Vencedor do Prêmio Literário André Gide de 2016 Nessas páginas de memórias, Catherine Millot relembra com doçura, firmeza, sinceridade e humor os anos de convivência e relacionamento pessoal com Lacan, de 1972 até sua morte, em 1981 – dando ao leitor acesso a um prisma peculiar do mestre francês da psicanálise. “Houve um tempo em que eu tinha a sensação de ter apreendido o ser de Lacan em sua essência. De ter uma espécie de intuição de sua relação com o mundo, um acesso misterioso ao lugar íntimo de onde emanava sua ligação com os seres e as coisas, e também com ele próprio. Era como se eu houvesse deslizado para dentro dele. Essa sensação ia de par com a impressão de estar compreendida, no sentido de estar integralmente incluída nessa sua compreensão, cuja extensão me ultrapassava. … Eu me sentia transparente para Lacan, convencida de que ele detinha um saber absoluto a meu respeito. Não ter nada a dissimular, nenhum mistério a preservar, dava-me uma total liberdade com ele, mas não só. Uma parte essencial de meu ser lhe era entregue, ele tinha sua guarda, eu me sentia aliviada. Vivi a seu lado anos a fio nessa leveza.”