Quais são os efeitos do diagnóstico banalizado e as drogas que são ministradas às crianças, muitas vezes, tão pequenas? O que essa urgência em dar um nome àquilo que não há, está dizendo da subjetividade de nossa época?
A notícia de que um bebê está a caminho significa uma série de mudanças na vida de um casal e no meio onde estão inseridos. Há uma preocupação com a chegada desse filho, e o planejamento quanto ao lugar que este filho vai ocupar, na casa e na vida. A gestação também é um período de mudanças biopsicossociais e é muito singular a maneira como cada um vai vivenciar essas experiências. O próprio parto é um momento de grandes receios e que tem a força de mobilizar grandes níveis de angústia. O parto pode ser até, em alguns casos, curto em tempo cronológico, mas é longo em vivências e expectativas, pois é a partir do parto que mãe e filho vão poder finalmente se encontrar frente a frente. É nesse momento do nascimento do filho que a mãe se depara com o estranho e sofre com a morte do filho idealizado.
Temos, hoje em dia, uma série de nomes para tentar dar conta do que é isso que acontece na infância e que é tão enigmático para o adulto. Os diagnósticos de TEA, TOD, TDAH entre outros crescem em proporções exageradas e preocupantes e a cada ano mais famílias preocupam-se com a possibilidade de seus filhos terem algum tipo dos ditos “transtornos mentais”.
Existem alguns profissionais capazes de fazer um diagnóstico responsável e criterioso, o que enlaça com a possibilidade dos cuidadores de questionar o saber médico, muitas vezes parecendo autoritário e absoluto. Médicos não detém a verdade e a razão e o vínculo estabelecido deve ser de acolhimento, respeitando as dúvidas e anseios dos sujeitos envolvidos, mas a realidade do que acontece, muitas vezes, é a instauração de uma confusão de línguas que legitima o imaginário sufocante de que essa criança, por ter um diagnóstico, está fadada ao fracasso ou que não vai ser capaz de fazer nada na vida.
O diagnóstico é importante quando apoiado na subjetividade e não apenas nas observações estereotípicas de um indivíduo. Se o médico não olha para a sua cara, te dá uma receita com trocentos medicamentos, fuja! Por quê, mesmo quando corretamente diagnosticado, é importante que a singularidade do sujeito seja preservada. Quando um pai ou uma mãe chega até mim dizendo que seu filho é autista, eu pergunto: “e o que mais?” Não pode ser que a existência do seu filho seja reduzida a isso, não é?
Temos hoje uma demanda absurda pela produtividade o tempo inteiro, e todos esses imperativos recaem sobre a família de uma maneira que pais e mães, exaustos, acreditam que tem que dar conta de tudo, e que o filho também tem que dar conta de tudo e saber as coisas por si mesmo. Nesse cenário, a subjetividade, aquilo que é único de cada um de nós, está enfraquecida, e o que ganha destaque é um excesso sem limites que causa desconforto e angústia em todos. Não por um acaso, aparecem aí toda a sorte de especialistas para dizer o que fazer com essa angústia, como se houvesse uma compreensão que mães e pais não são capazes de assumir sozinhos a humanização de seus filhos. Assoberbados por uma série de exigências e de regras a seguir para serem bons pais, a parentalidade torna-se uma tarefa demasiado exaustiva e idealizada, como se não pudessem falhar, como se pais e mães fossem máquinas e não seres humanos.
Abordar a parentalidade a partir da psicanálise visa colocar em primeiro plano a importância de escutar, de um lado, como a angústia do fenômeno parental emerge em cada sujeito e, de outro, as respostas que a cultura de nossa época tem produzido diante desse fenômeno.
A aposta de um psicanalista é que a singularidade do sujeito humano não é diagnosticável. O sujeito é desejante e atravessado pela cultura de sua época, e a contribuição da psicanálise em tempos de ideais e imperativos autoritários permanece sendo o resgate da subjetividade, de valorizar aquilo que é único em cada um de nós. Cada um tem o seu modo de gozar, de amar, e de desejar.