As estruturas propostas pela psicanálise das quais conhecemos, ou seja, perversão, neurose e psicose, fazem parte do quadro autista? ou o autismo é considerado uma quarta estrutura?
Tema pedido por @carolina_cvlh
Nota-se que muitos modelos de ensino atualmente promovem diagnósticos para o autismo como o TEA e outras considerações, o que ao meu ver, acaba por se tornar uma medida excludente e taxativa.
Existe um longo debate a respeito do que pode ser o autismo. Algumas perspectivas sugerem que o autismo é um estado psíquico, uma espécie de sintoma, que pode fazer parte tanto da estrutura neurótica, psicótica ou da perversão, outras correntes dirão que se trata de um sintoma exclusivamente da estrutura psicótica, outros ainda dirão que se trata de uma quarta estrutura que está para além dessas três primeiras.
No autismo a constituição do eu, ou seja, as primeiras alienações imaginárias a posição do outro e o próprio estatuto do falo estariam em condições peculiares, diferentes, que podem por exemplo envolver o trabalho com a música, com a escrita na construção da linguagem. Por isso é importante pensar em um diagnóstico diferencial, uma vez que o método para se trabalhar com esse sujeito, será um método diferente.
O autista se retrai justamente porque sair de si o colocaria em uma situação de fragmentação, uma situação de ameaça permitindo que o mesmo opere de maneira defensiva.
Kanner, um dos percursores no assunto, desenvolve três tópicos que possivelmente poderiam dizer da estrutura do sujeito autista, primeiro a ideia da não formação do eu, ou seja, a não estruturação de si na condição relacional com o outro, segundo, a problemática do outro e o eu, de como o sujeito autista pode não se reconhecer em sua própria identidade, e por tanto daí, surgiriam as dificuldades na relação com o mundo e com o outro, e em um terceiro momento, uma dificuldade de apropriação, ou seja, de internalizar os objetos ofertados pelo outro, como o afeto por exemplo.
Lacan diz que existe um sujeito no autismo, considerando que frente a algumas situações, um outro intrusivo, o autista se fecha, tampa os ouvidos, ou seja, há o reconhecimento do outro, já que ele se defende da presença desse outro. Sendo assim, para Lacan, é possível pensar que o sujeito autista está mais próximo da letra do que do significante, lembrando que a letra seria um componente do real, enquanto o significante seria do simbólico.
Nota-se também no autismo, uma dificuldade no espelhamento, um exemplo disso é que muitas vezes em casos de autismo, a mãe ao tentar abraçar o bebê, oferece os braços e o bebê não oferece os seus, transparecendo uma noção de alguém que se mantem na repetição de certos padrões.
No autista, o outro é muito conhecido, ou seja, ele entra muito invasivamente no sujeito, ao mesmo tempo que é extremamente distante , estranho, impróprio.
Quando se trata da formação da estrutura, é possível pensar em uma distinção em relação a psicose. Para a psicanálise, a psicose se estrutura a partir de uma falha na metáfora paterna, na inserção do sujeito à lei, sendo assim, o sujeito permanece alienado à função materna, constituindo um sujeito do imaginário, não havendo a separação. É possível pensar, segundo Kupfer (2000), que no autismo também ocorre a falha na função materna, e essa falha terá como consequência, o fracasso de um mapa libidinal para o corpo, o que remete ao circuito pulsional.
(Jerusalinsky, 2012, p. 60).
O autismo consiste fundamentalmente no fracasso na construção dessas redes de linguagem – fornecedoras de saber sobre o mundo e as pessoas – e na prevalência de automatismos que, disparados de modo puro e espontâneo, carecem de qualquer valor relacional e fazem resistência à entrada do outro no mundo da criança, e, consequentemente, na entrada dela no mundo familiar e social.
Para o tratamento com autista é recomendado a utilização de outras modalidades de linguagem, como a música, a arte, a escrita, entre outros recursos.
INDICAÇÃO DE LEITURA:
Marie-Christine Laznik (2004); Laznik, Maestro, Muratori, Parlato-Oliveira, 2006), Maria Cristina Kupfer (2000), Alfredo Jerusalinsky (2012) e Inês Catão (2009).
FONTES:
AZEVEDO, Marcela Maria de Paiva; NICOLAU, Roseane Freitas. Autismo: um modo de apresentação do sujeito na estrutura de linguagem. Estilos clin., São Paulo , v. 22, n. 1, p. 12-28, abr. 2017 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-71282017000100001&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 16 abr. 2020. http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v22i1p12-28.
O sujeito autista sob a perspectiva da psicanálise | Christian Dunker | Falando nIsso 162
Como identificar o autismo na criança? | Christian Dunker | Falando nIsso 75